Analisamos o modo como o poker é inserido nos filmes e conseguimos listar 4 possíveis interpretações para vocês! Podem ter certeza que elas saem do óbvio e não ficam apenas no esporte. Ah! E tem duas dicas de filmes para analisarem tudo isso que vamos contar por aqui.
É muito interessante reparar nas relações humanas, reparar em como jogos estão fixados no inconsciente coletivo. Na acepção mais ampla de “jogar”, nós vivemos utilizando expressões para eventos do dia-a-dia que transformam o cotidiano em uma partida de xadrez, ou transportamos a linguagem de um jogo de tabuleiro para reuniões empresariais ou políticas, pela facilidade em entendê-la.
Por exemplo, se alguém diz que determinado político deu um xeque-mate em determinada figura, todo mundo sabe que a vítima desse movimento ficou sem opções e foi ardilosamente encurralada, mesmo que não entenda o que isso queira dizer no xadrez. Jogos fazem parte da natureza humana, do dia-a-dia, e é justamente por isso que são retratados na sétima arte. O cinema já mostrou nas suas telas todo tipo de jogos, seja como plano de fundo em tantos roteiros ou como a “estrela” do filme – lembram de Jumanji?
Poker em filmes
De todos os jogos de tabuleiro, ou de videogame, há poucos que carregam uma aura de misticidade, um charme e os requisitos intelectuais como o poker. Há algo especial sobre assistir alguém apostar todo seu dinheiro em uma mão fraca; a elegância do jogo em si, a inteligência e a estratégia por trás de cada decisão. Em um determinado filme, você pode até não saber a respeito das regras, mãos e qual a hierarquia delas no esporte, mas você sabe que há algo importante que será decidido naquele momento, seja pela montanha de fichas, linguagem corporal e reações dos jogadores ao redor da mesa.
Casino Royale
Então, por exemplo, quando vemos em Casino Royale o embate na última mão entre James Bond e Le Chiffre, a cena toda é construída em ao redor da leitura que Bond tem do seu rival. Mais do que sabermos exatamente quem vai ganhar, nós descobrimos mais sobre a personalidade de cada um com o desenlace das mãos do que descobriríamos em um diálogo expositivo. Por fim, a reação de Le Chiffre, interpretado por Mads Mikkelsen, diz muito sobre aquela personagem.
Cartas na Mesa
O mesmo pode ser dito sobre o duelo entre os personagens de Matt Damon e John Malkovich em Rounders. Aqui no Brasil foi traduzido como “Cartas na Mesa”. Naquela cena, descobrimos mais sobre Teddy KGB e sua índole do que descobrimos se um full house ganha de um flush. O que nos leva à seguinte pergunta:
O que faz do poker um instrumento narrativo tão rico?
Bom, para respondermos isso, temos que observar um pouco melhor como funciona a técnica de construção de um roteiro, ou seja, a construção do gênero dramático no geral. E para isso, vamos voltar mais de dois mil anos, lá para Aristóteles. Juro que não vai ser uma digressão longa, muito menos desinteressante, mas é fundamental que voltemos à sua Poética para compreendermos o porquê do poker, do feltro verde e das cartas serem utilizadas tão bem na telona.
A urgência do tempo no poker
A primeira coisa que é importante saber se chama “unidade de tempo”. Aristóteles dizia que o gênero dramático, que uma peça, deveria se passar dentro de um ciclo solar ou nessa medida aproximada. O que o grego quer dizer com isso é que quanto menor espaço no qual a aventura do protagonista transcorre, maior a tensão. E, com isso, a pressão em cima dele aumenta e gera mais impacto na audiência.
Podem perceber que a maioria dos filmes, especialmente os que possuem um grande apelo comercial, sempre dão um prazo para o final da jornada do protagonista. Isso explícita ou implicitamente. Em “Juno”, sabemos que a jornada da protagonista homônima acaba junto com sua gravidez. Se pegarmos “Rocky”, a aventura do boxeador termina com sua luta com Apollo Creed. Até mesmo em “Django Livre” sabemos que a jornada do protagonista acaba quando ele conseguir – ou não – resgatar sua amada Broomhilda.
Sem urgência não há tensão
Imagine se não existisse essa urgência temporal? A tensão não existiria. Imaginem a batalha para destruir a Starkiller em no Episódio VII de Star Wars sem que a base estivesse em vias de destruir diversos sistemas. A carga dramática e emocional sequer se perderia; ela não existiria.
É por isso que uma cena de poker funciona tão bem por si só. O tempo de uma mão é curtíssimo; entre o flop, o turn e o river, há poucos minutos, se tanto. A medida que o dinheiro vai aumentando no pot, o que está em jogo entre os personagens – para além da própria partida, claro – só aumenta paralelamente. De volta à cena em Casino Royale, o que acontece ali não é sobre a partida e apenas a partida. É sobre James Bond e Le Chiffre. E enquanto o dinheiro aumenta, a tensão aumenta e a disputa entre os dois fora dali escalona junto.
Personagens apresentados através do poker
O que nos leva à segunda questão importante sobre o poker como instrumento narrativo: ele mostra a personalidade dos personagens. É a questão da window de personalidade do personagem; cada um possui suas próprias características que são repetidas e mostradas durante o arco narrativo. Numa partida da poker, a genuína reação de um personagem em relação ao resultado de uma mão “paga” a window na hora. Raiva, indiferença, vontade de gastar mais; tudo isso é uma janela escancarada para a personalidade daquele indivíduo.
Temas que geram empatia do público
Por fim, o terceiro motivo pelo qual cenas com poker são tão ricas: ele traz temas inatos à natureza humana. Em uma mesa de poker você tem dinheiro, além de poder ter ainda vingança e violência. Quando você trata de dinheiro, violência e sexo, toda e qualquer sociedade vai se identificar com esses temas.
E eles traduzem tão bem para a tela num jogo. Que envolve meticulosamente avaliar suas opções na mesa. E também utilizar dinheiro para tomar suas decisões. Qualquer sociedade no mundo vai se relacionar e “comprar” a tensão e carga daquela unidade dramática.
Quando vemos um spaghetti western com cenas de poker, ou “Maverick”, ou até mesmo filmes de comédia como “O Virgem de 40 Anos”, nós precisamos ver para além do jogo em si. O que acontece entre os personagens, naquele período curto de tempo, traz temas cujo vínculo se forma num piscar de olhos.
A elegância de um jogo como poker, a inteligência por trás de cada movimento fazem dele catalisadores do drama. E é por isso que veremos um feltro verde em muitos e muitos filmes hoje e sempre.
Já viram alguns desses filmes que comentamos? Quais outros filmes que abordam sobre o poker vocês já assistiram? Mandem nos comentários!
Leave A Reply